sexta-feira, agosto 28, 2009

segunda-feira, agosto 10, 2009

Os Pilares da Formação Humana I -entrevista com Elvira Souza Lima

Interativo em Revista- fevereiro/março/abril 2008

O processo educativo é complexo e fortemente marcado pelas variáveis sociais e pedagógicas. Segundo Morin (2001), o objetivo da educação não é o de somente transmitir conhecimento, mas criar um espírito para toda a vida, e ensinar é viver em transformações consigo próprio e com os outros. Para esclarecer melhor esse processo iniciamos, nesta edição, uma série de matérias sobre os cinco pilares que norteiam o processo de formação do ser humano: percepção, memória, atenção, pensamento e imaginação. Quem nos explica, é Elvira Souza Lima, antropóloga, psicóloga e professora na Hofstra University, em Nova Yorque, EUA, e na Universidade de Salamanca, na Espanha. Iniciamos está série pela percepção.


Interativo: O que é percepção? Como acontece a percepção?

Elvira: A percepção é efetuada pelo cérebro a partir de elementos que a ele são transmitidos pelos órgãos dos sentidos externos. Ou seja, é o cérebro que processa as informações gráficas da escrita e o conteúdo de um trecho lido, faz isso a partir das informações que chegam transmitidas pelo órgão do sentido da visão. Cada um dos órgãos dos sentidos tem suas especificidades,porém internarmente um sentido "colabora" com o outro para efetivação da percepção. Assim uma pessoa cega desenvolve o sentido do tato e da audição com uma complexidade e sensibilidade maiores do que uma pessoa que enxerga. Há como que uma compensação interna.



Interativo: Como o cérebro não pode registrar e responder tudo o que se apresenta, a percepção é, de certa forma, seletiva. Quais são os fatores que influenciam nesta seleção? Dê um exemplo de percepção seletiva.

Elvira: A percepção se realiza na espécie principalmente pela mobilização de um dos 5 sentidos. Entre os sentidos há seleção, uma vez que não podemos responder a tudo. Às vezes os sentidos se combinam para uma percepção com mais informações, por exemplo, como prestar atenção ao movimento (visão) e som, Como ao assistirmos um espetáculo de dança. Porém, há flutuações entre prestar mais atenção ao movimento do que à música. No exercício de um mesmo sentido também há seleção: não escutamos todos os sons e ruídos que acontecem simultaneamente, geralmente focamos a atenção em um, às vezes um som pode interferir na percepção de outro. Por vezes nem nos damos conta de que algo mais está soando, se ficarmos absortos em uma peça musical. Os fatores que influenciam ou determinam a percepção são de várias ordens. A experiência pessoal, o contexto cultural, as disposições da pessoa, seus interesses, as pressões sociais, o estado físico, as emoções enfim, o que se percebe e o que se deixa de lado são definidos por um conjunto de elementos. O livre arbítrio também conta: a pessoa toma decisões e pode, dependendo de seu nível de atenção, dirigir a sua própria percepção.


Interativo: O contexto social em que se vive influencia no desenvolvimento da percepção?

Elvira: Com certeza. O desenvolvimento dos órgãos do sentido acontece em função do meio e a cultura influencia muito na formação de padrões perceptivos. O mesmo acontece com as artes: as atividades artísticas dependem de uma educação dos sentidos,ou seja, a arte direciona, qualifica e promove a sofisticação no uso de um sentido. Por exemplo, a música desenvolve a percepção auditiva como o desenho e a pintura desenvolvem a percepção visual. Para o teatro a visão e a audição são de fundamental importância, assim como o é o movimento. Pessoas que vivem na floresta ou em contato com a natureza desenvolvem a percepção visual a níveis de grande complexidade quanto à luz e sombra, enquanto que pessoas que cresceram em ambientes com luz artificial desenvolvem padrões distintos uma vez que geralmente não lidam com a ausência total de luz (a iluminação noturna é uma constante e uma possibilidade sempre a mão, com a luz elétrica) . Como o contexto é central no desenvolvimento da percepção, a responsabilidade das pessoas que educam as crianças e jovens é grande. Seja na escola, na família ou em outra grupo social, a criança depende de incentivos constantes para desenvolver a percepção. As formas de arte como a música, o teatro a dança, o desenho, a pintura são fundamentais na formação da criança. A educação dos sentidos promove a atenção, que garante a percepção e, assim, a ampliação dos acervos de memória; Esses acervos estão presentes em toda vida da pessoa. As aprendizagens escolares dependem da percepção. A partir da percepção se constroem estados de atenção, esses absolutamente necessários para as aprendizagens escolares. A mobilização da percepção na escola depende primordialmente da didática e do currículo.

Os Pilares da Formação Humana II - entrevista com Elvira Souza Lima

Interativo em Revista maio/junho/julho 2008

A segunda matéria sobre os cinco pilares que norteiam a formação humana trata sobre o papel da memória. A antropóloga, psicóloga e professora na Hosfstra University, em Nova Iorque, EUA, e na Universidade de Salamanca, na Espanha, Elvira Souza Lima é quem nos explica sobre esses pilares e aborda a memória como um deles.


Interativo: Existe relação entre memória e experiência?

Elvira: Cada um de nós tem muitas memórias guardadas. Na vida, tudo o que se faz envolve a memória. Nosso cérebro é capaz de formar diferentes tipos de memória a partir das experiências de vida de cada um.

O planejamento e a avaliação de nossos atos também envolve os vários tipos de memória.

Vejamos um exemplo:

Quando a criança brinca, cria novas memórias. Na brincadeira, ela faz seqüências de movimentos coreografados e guarda estas seqüências na memória. Quando brincar novamente, ela vai evocar, vai trazer de volta essas memórias que têm grande permanência no cérebro. Com as brincadeiras, a criança aprende a planejar, antecipar, ouvir, argumentar, tomar decisões.

Forma, assim, estruturas de planejamento que utilizará mais tarde em sua vida; inclusive, para estudar e apreender os conhecimentos escolares.


Interativo: Quais são os tipos de memória?

Elvira: Quanto ao tempo de permanência no cérebro, temos dois tipos: a memória de curta duração e a de longa duração, que determina por quanto tempo o conteúdo ensinado permanece no cérebro.
A memória de curta duração permanece pouco tempo no nosso cérebro. Ela possibilita pensar, planejar e executar uma ação.

As memórias de longa duração têm permanência no cérebro, ficam guardadas e podem ser evocadas.

Para guardar as regras de um jogo, utilizamos a memória de longa duração.
Assim, toda vez que formos jogar uma partida, buscamos na memória de longa duração as regras, ou seja, como se faz, a seqüência do jogo.

Então, para aprender, o aluno precisa mobilizar tanto a memória de curta duração como a de longa duração pois, se mobilizar apenas a de curta duração, não será suficiente.

Quanto à sua natureza, as memórias podem ser explícita, implícita e operacional. A memória explícita pode ser episódica ou semântica. A memória explícita episódica é a memória cronológica, que situa os acontecimentos no tempo. A memória explícita semântica é a dos conteúdos que podem ser explicitados, verbalizados, declarados, daí ela ser, também, chamada de “declarativa”.

À Educação escolar interessam, particularmente, a memória explícita e a operacional


Interativo: Existe uma maneira de o aluno acadêmico aprender a criar novas memórias?

Elvira: As aprendizagens escolares dependem da formação de memórias de longa duração. Essas memórias, por sua vez, dependem da realização de atividades específicas. São as chamadas atividades de estudo. É preciso que estas atividades sejam ensinadas às crianças desde o início do ensino fundamental, porque elas não se formam espontaneamente.

Então, para o professor levar o aluno a formar memórias de longa duração, ele precisa ensinar o conteúdo e as atividades humanas necessárias para se apropriar deste conteúdo. Uma destas atividades é o registro. Registrar é uma atividade de estudo. Para anotar, o aluno precisa observar e decidir o que vai registrar. Com isso, ele foca atenção e se concentra. Atenção e concentração são condições necessárias para formar novas memórias. O registro tanto ajuda a formar memórias, como é útil para evocá-las posteriormente; ele foca atenção e se concentra.

Quando a professora pedir novamente uma atividade de registro, a criança já vai conhecer a metodologia. É uma memória que fica disponível para ser evocada à ação em qualquer situação escolar.
Um aluno que aprende a estudar nos primeiros anos da educação fundamental, aprende a planejar ou a trabalhar com o conhecimento e com as fontes de conhecimento. Ele terá autonomia como estudante, saberá orientar sua atenção em sala de aula.


Interativo: Como a memória é constituida?

Elvira: Para que se criem novas memórias, é necessário, primeiramente, atenção.

Sem atenção, ou os órgãos dos sentidos não enviam imagens e informações para o cérebro, para serem processadas, ou o cérebro falha em processar o que chega, em virtude da dispersão.
Quando o aluno não presta atenção, ele não forma memórias dos conteúdos que são ensinados.

As aprendizagens escolares dependem da atenção e da formação de memórias de longa duração. Quando o planejamento do professor mobilizar somente a memória de curta duração, o aluno usará apenas esse tipo de memória, e vai esquecer rapidamente o que o professor ensinou. Por isto, acontece o fato de um aluno fazer uma atividade em sala de aula e dois dias depois não só não consegue fazer , como parece que nunca viu o conteúdo. Não é somente o currículo que leva à formação de memórias; o aluno precisa ser ensinado e precisa praticar as atividades (de estudo) que permitem ao cérebro formar memórias.

sexta-feira, agosto 07, 2009

Os Pilares da Formação Humana III - entrevista com Elvira Souza Lima

INTERATIVO em Revista - FEMA , Agosto/Setembro/ Outubro 2008

Interativo : Para encerrar essa série de matérias sobre os Pilares da Formação Humana, a antropóloga, psicóloga e professora na Hosfstra University, em Nova Iorque e na Universidade de Salamanca, Elvira Souza Lima aborda a Atenção e o Pensamento.

Atenção

Interativo: Como acontece a atenção?

Elvira: A atenção acontece pela capacidade que o ser humano tem de regular a percepção, eliminando alguns estímulos para chegar a se concentrar em outros. Ou seja, a atenção é conseqüência de um processo de escolha, voluntária ou involuntária, entre diferentes possibilidades da percepção realizada por um ou mais órgãos dos sentidos. Segundo as pesquisas da neurociência, a atenção acontece pela formação de redes neuronais responsáveis pelos estados de alerta, de foco e concentração e, finalmente, de atenção chamada de atenção executiva. Esta última é condição para as aprendizagens escolares.
Atenção é um processo que se constitui pela integração de fatores biológicos e culturais.

Interativo: Qual o seu papel e função na aprendizagem?

Elvira: Sem atenção não há formação de memórias e sem formação de memórias não há aprendizagem dos conhecimentos escolares. É um modo um pouco simplista de colocar a questão, mas é aproximadamente desta forma que as coisas acontecem. O estado de alerta é condição inicial para a concentração em um tema de estudo; desta forma, o planejamento do professor e a adequação da tarefa ao período de desenvolvimento do aluno são
fatores que provocam (ou não) o estado de alerta. Além deste primeiro momento, a atividade proposta deve levar, pela motivação, ao engajamento do aluno com o conhecimento. O professor depende da manutenção da atenção para que a aprendizagem aconteça. É importante destacar que a atenção se educa, se forma como comportamento. A atenção necessária para a aprendizagem dos conhecimentos escolares precisa fazer parte, portanto, dos objetivos curriculares.

Interativo: Existem maneiras de estimular a atenção?

Elvira: Comportamentos de atenção se formam desde a educação infantil, uma vez que isto esteja estabelecido no currículo. Prestar atenção, focar, manter-se atento, utilizar estratégias que facilitam a atenção são comportamentos que podem (e devem) ser ensinados e praticados com as crianças desde cedo.
Na verdade, a cultura é muito importante na infância para a atenção, uma vez que as práticas culturais da infância exigem, exercitam e qualificam os estados de atenção. As brincadeiras infantis, a música, o desenho, a dramatização são situações próprias do desenvolvimento infantil que têm como característica central a mobilização e permanência de estados de alerta e de foco da atenção.
As artes, mais antigas que as práticas pedagógicas escolares, têm em sua própria essência a condição de formar estados de atenção, pois sem eles não se toca instrumento, não se dança, não se desenha, não se compõe música. E assim por diante.
Desta forma, a atenção necessária para que os alunos aprendam resulta de uma proposta curricular que tem como objetivo trabalhar não somente com conhecimentos formais, mas também com as formas de atividade
humana que permitem ao ser humano aprender tais conhecimentos.

Pensamento

Interativo: Como o pensamento é constituído? Qual a função do pensamento no processo de aprendizagem?

Elvira: O pensamento é constituído pelo desenvolvimento de processos internos do próprio cérebro. Os processos internos são resultados, também, das experiências de cada um com o mundo físico, químico e cultural que constituem os contextos em que vivem as pessoas.
O processo de escolarização traz conseqüências importantes ao pensamento, por trabalhar com categorias, por organizar informações, por criar e organizar memórias em sistemas. Este é um processo dialético, pois à medida que se organizam os conhecimentos em sistemas, que se formam conceitos, a pessoa vai tendo maior amplitude para tratar com várias informações ao mesmo tempo e, também, de aprofundar a reflexão em um tema. Assim chega-se, eventualmente, ao processo de criação.
Pensar também é uma coisa que se aprende, que depende de exercício constante e depende, também, de cada um de nós ser ensinado a utilizar as estratégias de que a espécie humana dispõe para trabalhar com símbolos e desenvolver a imaginação.
A escola é um lugar por excelência para se desenvolver a capacidade humana de pensar e de criar.

O desenho no desenvolvimento infantil - entrevista com Elvira Souza Lima