Interativo em Revista maio/junho/julho 2008
A segunda matéria sobre os cinco pilares que norteiam a formação humana trata sobre o papel da memória. A antropóloga, psicóloga e professora na Hosfstra University, em Nova Iorque, EUA, e na Universidade de Salamanca, na Espanha, Elvira Souza Lima é quem nos explica sobre esses pilares e aborda a memória como um deles.
Interativo: Existe relação entre memória e experiência?
Elvira: Cada um de nós tem muitas memórias guardadas. Na vida, tudo o que se faz envolve a memória. Nosso cérebro é capaz de formar diferentes tipos de memória a partir das experiências de vida de cada um.
O planejamento e a avaliação de nossos atos também envolve os vários tipos de memória.
Vejamos um exemplo:
Quando a criança brinca, cria novas memórias. Na brincadeira, ela faz seqüências de movimentos coreografados e guarda estas seqüências na memória. Quando brincar novamente, ela vai evocar, vai trazer de volta essas memórias que têm grande permanência no cérebro. Com as brincadeiras, a criança aprende a planejar, antecipar, ouvir, argumentar, tomar decisões.
Forma, assim, estruturas de planejamento que utilizará mais tarde em sua vida; inclusive, para estudar e apreender os conhecimentos escolares.
Interativo: Quais são os tipos de memória?
Elvira: Quanto ao tempo de permanência no cérebro, temos dois tipos: a memória de curta duração e a de longa duração, que determina por quanto tempo o conteúdo ensinado permanece no cérebro.
A memória de curta duração permanece pouco tempo no nosso cérebro. Ela possibilita pensar, planejar e executar uma ação.
As memórias de longa duração têm permanência no cérebro, ficam guardadas e podem ser evocadas.
Para guardar as regras de um jogo, utilizamos a memória de longa duração.
Assim, toda vez que formos jogar uma partida, buscamos na memória de longa duração as regras, ou seja, como se faz, a seqüência do jogo.
Então, para aprender, o aluno precisa mobilizar tanto a memória de curta duração como a de longa duração pois, se mobilizar apenas a de curta duração, não será suficiente.
Quanto à sua natureza, as memórias podem ser explícita, implícita e operacional. A memória explícita pode ser episódica ou semântica. A memória explícita episódica é a memória cronológica, que situa os acontecimentos no tempo. A memória explícita semântica é a dos conteúdos que podem ser explicitados, verbalizados, declarados, daí ela ser, também, chamada de “declarativa”.
À Educação escolar interessam, particularmente, a memória explícita e a operacional
Interativo: Existe uma maneira de o aluno acadêmico aprender a criar novas memórias?
Elvira: As aprendizagens escolares dependem da formação de memórias de longa duração. Essas memórias, por sua vez, dependem da realização de atividades específicas. São as chamadas atividades de estudo. É preciso que estas atividades sejam ensinadas às crianças desde o início do ensino fundamental, porque elas não se formam espontaneamente.
Então, para o professor levar o aluno a formar memórias de longa duração, ele precisa ensinar o conteúdo e as atividades humanas necessárias para se apropriar deste conteúdo. Uma destas atividades é o registro. Registrar é uma atividade de estudo. Para anotar, o aluno precisa observar e decidir o que vai registrar. Com isso, ele foca atenção e se concentra. Atenção e concentração são condições necessárias para formar novas memórias. O registro tanto ajuda a formar memórias, como é útil para evocá-las posteriormente; ele foca atenção e se concentra.
Quando a professora pedir novamente uma atividade de registro, a criança já vai conhecer a metodologia. É uma memória que fica disponível para ser evocada à ação em qualquer situação escolar.
Um aluno que aprende a estudar nos primeiros anos da educação fundamental, aprende a planejar ou a trabalhar com o conhecimento e com as fontes de conhecimento. Ele terá autonomia como estudante, saberá orientar sua atenção em sala de aula.
Interativo: Como a memória é constituida?
Elvira: Para que se criem novas memórias, é necessário, primeiramente, atenção.
Sem atenção, ou os órgãos dos sentidos não enviam imagens e informações para o cérebro, para serem processadas, ou o cérebro falha em processar o que chega, em virtude da dispersão.
Quando o aluno não presta atenção, ele não forma memórias dos conteúdos que são ensinados.
As aprendizagens escolares dependem da atenção e da formação de memórias de longa duração. Quando o planejamento do professor mobilizar somente a memória de curta duração, o aluno usará apenas esse tipo de memória, e vai esquecer rapidamente o que o professor ensinou. Por isto, acontece o fato de um aluno fazer uma atividade em sala de aula e dois dias depois não só não consegue fazer , como parece que nunca viu o conteúdo. Não é somente o currículo que leva à formação de memórias; o aluno precisa ser ensinado e precisa praticar as atividades (de estudo) que permitem ao cérebro formar memórias.